Nova estratégia de medicina de precisão mostra eficácia em testes pré-clínicos e abre caminho para novos tratamentos. Imagem de aparelho de ultrassom mostra ovário com tumor
Cancer Genome Atlas/NIH
Uma nova abordagem de medicina de precisão desenvolvida por pesquisadores da Weill Cornell Medicine, nos Estados Unidos, identificou uma combinação de medicamentos que pode oferecer uma alternativa eficaz para o tratamento do câncer de ovário — um dos mais letais entre as mulheres.
O estudo, publicado nesta segunda-feira (7) na revista Cell Reports Medicine, demonstrou que o uso combinado de duas drogas experimentais conseguiu bloquear o crescimento do tumor e impedir que as células cancerígenas desenvolvessem resistência ao tratamento em testes de laboratório.
A descoberta representa um avanço importante diante das limitações dos tratamentos atuais. Segundo o Instituto Nacional do Câncer dos EUA, o câncer de ovário afeta cerca de 20 mil mulheres por ano no país, com uma taxa de sobrevida de apenas 50% após cinco anos.
No Brasil, é o oitavo câncer mais comum em mulheres, com cerca de 7.310 novos casos anualmente, segundo estimativas do Instituto Nacional do Câncer (INCA).
A forma mais comum de tratamento inclui cirurgia para retirada dos ovários seguida de quimioterapia — mas muitos casos voltam a aparecer com o tempo, muitas vezes mais agressivos e difíceis de tratar.
Novo olhar para o câncer: das mutações aos “caminhos” das células
O grande diferencial do estudo está na forma como os cientistas analisaram o câncer de ovário. Em vez de buscarem mutações genéticas específicas, como costuma ser feito na medicina de precisão, a equipe investigou quais vias de sinalização celular — isto é, os “caminhos” que instruem as células a crescerem e se multiplicarem — estavam hiperativas nos tumores.
“Mesmo que os tumores ovarianos sejam geneticamente muito diferentes entre si, muitos acabam ativando os mesmos mecanismos de crescimento”, explica Benjamin Hopkins, autor sênior do estudo e pesquisador da Weill Cornell Medicine. “Focar nessas vias comuns pode ser mais eficaz do que procurar uma única mutação.”
Ao analisar dezenas de modelos celulares de câncer, os cientistas descobriram que a maioria dos tumores ovarianos apresentava uma atividade anormalmente elevada na chamada via MAPK — um caminho já conhecido por estar ligado ao crescimento celular descontrolado em vários tipos de câncer.
Dupla de ataque: rigosertibe + inibidor de PI3K/mTOR
O passo seguinte foi testar compostos capazes de bloquear essa via.
Um deles, o rigosertibe, já vinha sendo estudado para outros tipos de câncer e se mostrou promissor ao reduzir o crescimento dos tumores ovarianos em laboratório. No entanto, os pesquisadores notaram que, ao inibir a via MAPK, o rigosertibe provocava um “efeito colateral” nas células cancerígenas: a ativação de uma segunda via de crescimento, chamada PI3K/mTOR, que ajudava o tumor a resistir ao tratamento.
Para contornar esse problema, a equipe combinou o rigosertibe com drogas inibidoras da via PI3K/mTOR. O resultado foi ainda melhor: a combinação bloqueou simultaneamente as duas rotas de crescimento das células cancerígenas, reduzindo com mais eficácia o desenvolvimento dos tumores em modelos pré-clínicos.
Em alguns testes, a combinação superou até mesmo a quimioterapia tradicional à base de platina.
PRÓXIMOS PASSOS: A pesquisa ainda está em estágio pré-clínico, ou seja, os testes foram realizados em laboratório e modelos animais, e ainda não há previsão para estudos com pacientes humanos. Mas os cientistas estão otimistas.
“Acreditamos que essa abordagem pode se estender a outros tipos de câncer difíceis de tratar, que também não apresentam mutações-alvo recorrentes”, afirma Hopkins.
A equipe também está trabalhando para identificar outras dependências específicas do câncer de ovário que possam ser exploradas em terapias de segunda linha — aquelas utilizadas quando os tratamentos iniciais falham.
Por que isso importa
O câncer de ovário costuma ser silencioso em seus estágios iniciais, e a maioria dos diagnósticos ocorre quando a doença já está avançada. Além disso, as opções de tratamento disponíveis após a quimioterapia inicial ainda são limitadas, e muitas pacientes enfrentam a reincidência do tumor sem alternativas curativas.
A descoberta de uma nova estratégia baseada no funcionamento interno das células tumorais, e não apenas em seus defeitos genéticos, pode abrir caminho para tratamentos mais personalizados e eficazes no futuro.
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